Para quem não tem medo de pensar...

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Tempo e percepção...



Que o tempo dos relógios difere dos tempos das consciências, como diz Sponville, é dado comum e chega a ser uma banalidade. Mas às vezes, as banalidades quando são pensadas e escritas em uma crônica ganham uma nova tonalidade. Saem do banal, comum e trivial e ganham vida. Vida poética, claro. Pois é sobre esses tempos distintos que me ponho a pensar e escrever. E sabem por que essa banalidade – que há tempos diversos à depender da consciência que o atém – é um prato cheio a ser servido em um texto? É por que esse tempo que vivemos e apreendemos em nossa consciência são múltiplos, variados e heterogêneos.

Nada comparado, por exemplo, aos tempos precisos dos relógios ajustados com precisão astronômica com a tecnologia dos átomos e dos movimentos dos astros. Esses relógios pelos quais os físicos e mágicos dos números calculam com precisão o tempo do mundo, não passam de uma evolução tecnológica do homem na sua sina eterna de controle de tudo. Afinal de contas, já dizia a Antiga Escritura “e tereis domínio sobre as aves do céu, sobre os peixes e todos os animais espalhados sobre a terra”.
Penso que a inspiração em criar um instrumento para dividir o tempo vem da nossa vocação primeira dada pelo Criador. O relógio é também uma conseqüência da nossa chamada missão cultural. Domínio e controle são então, ambos os conceitos, reunidos em uma bugiganga só. Mas voltemos aos tempos distintos da consciência, que pelo visto, não tem nada a ver com o tempo dos mecanismos.

Para início de conversa, o tempo do qual quero falar é banal. Nada tão banal em falar, por exemplo, que o tempo que passamos ao lado de quem gostamos muito é bem diferente do tempo em que passamos ao lado de alguém de detestamos. Certo. Nada tão sensível à nossa mente também que à medida que nos interessamos, gostamos e nos apaixonamos, a nossa percepção temporal será distintamente marcada. Nos dizeres do sábio filósofo Salomão, há tempos e tempos. E isto porque o tempo do abraço é diferente do tempo da solidão, e o tempo da colheita, logicamente, não é o mesmo do tempo do plantio. Em outras palavras, o tempo do prazer é diferente do tempo de sofrimento. Claro, o filósofo bíblico sabia que o abraço desperta sentimentos tais em nós que interferem no tempo, assim como o sofrimento, que diametralmente oposta ao prazer desperta outros sentimentos que por sua vez, nos darão outra percepção de tempo.

Enfim, a nossa consciência demonstra que temos sérios problemas com a precisão cronométrica em nossa experiência. Temos dificuldades naturais em perceber o tempo (como o próprio Agostinho já dizia que “se ninguém me pergunta eu sei o que é o tempo, mas, se me perguntarem e eu quero explicar já não sei”.) Se não tivéssemos não precisaríamos nem mesmo de inventar as ampulhetas e mais tarde os relógios.
A mente humana de fato é um grande mistério. Penso que, talvez, essa dificuldade em perceber o tempo seria uma conclusão óbvia de que tempo tal como convencionamos ser aquele tripé passado-presente-futuro não existe. Ou seja, temos dificuldades em apreender esse ser-tempo pela simples razão que tudo o que de fato existe é o agora, o presente instante, e nada mais. Passado é memória, coisas velhas acumuladas na mente. Futuro é essa pretensão, confiança exarcebada e religiosa da razão humana em esperar por um horizonte de expectativas. Afinal de contas, se o sol nasceu até hoje, é provável que nasça amanhã. E dessa forma, não sei, talvez por razões de praticidade e facilidade o homus tempus inventa esses conceitos, passado, futuro, areia caindo dentro de um recipiente, sombra projetada no chão e rodas mecânicas girando perenemente em sentido contrário.

A vida e o tempo não passam de um postulado, uma mera convicção temporária.

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