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sábado, 19 de março de 2011

Uma ilha chamada Brasília

Desde a célere obra de Thomas Morus denominada Utopia, cuja etimologia remete a fora do lugar, até a ilha perdida do seriado pedante Lost da TV norte-americana, a humanidade almeja refugiar-se em ilhas. Os contos de piratas e as maiores aventuras dos cinemas quase sempre perpassam pelas temáticas das ilhas, e para Juscelino Kubitschek o script não fora diferente.


Em meio à primeira metade do século XX e no auge da 2º revolução industrial para os países europeus e EUA, o Brasil, não obstante ao distanciamento econômico, se equilibrava em sua velha bengala nacional-desenvolvimentista de Vargas da década de 30. Evidentemente tal modelo já havia se esgotado.

JK, como político acima da mediocridade e à frente do seu tempo, à custa do endividamento, do aumento da dívida externa e da dependência dos capitais estrangeiros, mostrou ao povo brasileiro que também éramos capazes de construir uma bela ilha, em cujos sonhos de desenvolvimento e integração regional se materializariam em concretos armados, tijolos e cimentos erguidos no planalto central. E diferente dos americanos, não precisaríamos comprar à preço de banana das mãos dos índios como os holandeses na ilha de Manhattan.

Claro, toda boa aventura é repleta de símbolos, heróis, perigos e outros elementos cinematográficos, e no caso de Brasília a aventura sobrou a ponto de transbordar.

Primeiro, foi preciso construir o argumento ideológico que trajava o pano de fundo para construir tal proeza. Era preciso trabalhar no campo das ideias para arrebanhar seguidores. E aos poucos as ideias foram planejadas e disseminadas. Dentre elas, a ideia de que o Brasil precisava integrar as várias regiões do seu vasto território continental, integrando em todos os aspectos, desde o político até o econômico. O centro-oeste, região escolhida, estava dentre as mais anecúmenas do país.

Segundo, era preciso desvincular o centro da política nacional do ranço imperial que rondava a o antigo Estado da Guanabara no Rio de Janeiro com suas belas praias, antigos barões e nobres da velha coroa portuguesa. A nova capital deveria inspirar não somente modernidade arquitetônica Nieymaiana, mas também, modernidade político-filosófica, Brasília, portanto, seria o símbolo do novo momento político, e seria de quebra, a primeira capital de Estado projetada.


Terceiro, era necessário vencer as intempéries típicas do aspecto geográfico do lugar. O planalto central, cuja vegetação nativa é o cerrado, quente, seco e com baixo índice pluviométrico. Foi preciso incluir no projeto urbanístico da cidade a construção de uma grande represa, para então dar sentido à nova ilha construída. Em volta do grande lago Paranoá, então, estendida sobre a sequidão do centro-oeste de umidade relativa do ar precária, Brasília é construída por aventureiros nordestinos afoitos por uma vida melhor e funcionários públicos deslocados do sudeste.

Os órgãos dos três poderes que fundamentam a República são transferidos para longe do centro de pressão e maior densidade demográfica do país, justificando novamente a metáfora da ilha. Soltos no meio da savana brasileira, as figuras de tomadas de decisão e dos rumos do país estariam mais à vontade para, na tranquilidade do isolamento, forjarem as regras para todo povo brasileiro.

Sem prever as consequências, JK e todos os seus parceiros fizeram de Brasília a ilha brasileira mais próspera para se viver e trabalhar. Obviamente, o tom é sarcástico. Hoje em dia, com uma população próximo a 2 milhões de habitantes Brasília possui um renda per capita em torno de 40 mil dólares, bem acima da média nacional, e com renda semelhante a países como Luxemburgo. O que antes era para dirimir as desigualdades macrorregionais, a ilhota brasiliense criou outra desigualdade econômico-social para com as demais regiões brasileiras. Não à toa Brasília tornou-se uma ilha de prazeres, de pontes milionárias, políticos corruptos, demagogos e rebeldes sem causa.

Metaforizando Brasília como uma ilha, o compositor Lenine já cantava "como é que faz pra lavar a roupa, vai na fonte, vai na fonte, como é que faz pra raiar o dia, no horizonte, no horizonte, esse lugar é uma maravilha como é que faz pra sair da ilha, pela ponte". Esse trecho é uma crítica sutil ao lifestyle brasiliense. A ponte é uma referência tanto material à monstruosa construção da ponte de 154 milhões de reais, quanto que uma referencia poética à ilha central do poder brasileiro.

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