Para quem não tem medo de pensar...

domingo, 3 de janeiro de 2010

Vou me embora pra...

Não, não é pasárgada o meu destino tão desejado ao gosto do poeta Manuel Bandeira. Tudo bem que ser amigo do rei e ter à meu dispor todas as comodidades de que escreve o poeta é também sonho de consumo de todo brasileiro trabalhador e desprovido. Afinal de contas, o desejo nasce da ausência.

Contudo, reflito por hora na ideia do movimento e da inércia. A humanidade, desde os tempos mais remotos, da sua pré-história aos dias de hoje é tomada por vez ou outra de súbitos arrombos de movimento - migrações, nomadismo, bandeiras, entradas, aventuras ao mar, desbravamentos, odisséias no espaço, enfim. Homens e mulheres da história são lembrados e lembradas por suas grandes sagas e feitos nessas histórias. Conta-se por teorias mais recentes da paleontologia que os primeiros habitantes das américas tiveram que migrar desde o extremo norte onde hoje é Alasca até as regiões mais ao sul pela cordilheira dos andes e assim, se espalharamo pelas terras americanas. No mínimo tiveram que andar muito. Claro ao longo de milhares de anos. Como coletores e caçadores que eram provavelmente se deslocavam por grandes extensões de terras em busca dos melhores alimentos e locais mais seguros. Até por que não poderíamos competir de igual pra igual com a força que possuem os corpos dos animais. Já sabemos que temos um corpo pobre, talvez seja para melhor se deslocar, e assim utilizarmos mais a inteligência para fabricarmos por meio da técnica instrumentos que suprem nossas carências naturais.

Somos a única espécie que aprendeu andar sobre duas pernas, e que mais tarde aprendeu a domesticar animais de carga para nos movimentarmos sem gasto de energia corporal..

Mas não é somente no corpo que encontramos as marcas do movimento e do deslocamento que marcou a história da humanidade. Parece que há na alma de todo o ser humano um desejo pela fuga e por tudo àquilo que é fulgás. E para fugir tem que haver movimento. A insatisfação poderia ser uma sinal psicológico desta nossa tendência ao escapismo. Escapismo este aliás que marcou muitos artistas, escritores e músicos em suas composições. O ser humano é assim, sempre que se vê envolto na inércia das correntes sociais, culturais, psicológicas, religiosas, sejam elas quais forem, logo busca inquietante e tenazmente por uma saída. E assim, de forma tão saudosa escrevemos que "...em cismar, sozinho, à noite mais prazer encontro eu lá..."; ou então "Vou-me embora pra pasárgada, lá sou amigo do rei... aqui eu não sou feliz, lá a existência é uma aventura..."
Nada tão verídico e realista do que a alma humana na perspectiva dos poetas.
Vivemos em tempos tão confusos e cheio de inverdades que alguns filósofos e pensadores da atualidade o chamam de pós-moderno; marcado pela sensação de "fluidez" e desconstrução dos valores tradicionais; ou ainda como alguns preferem chamar de tempos em que "tudo o que é sólido se desmancha no ar". Particularmente, entendo ser os tempos atuais marcados por uma sociedade esmagada pela novidade da modernização intensa; pelo esmagamento das identidades nacionais em função da internacionalização do mundo globalizado; pela eslaticidade e expansão da noção de tempo. E assim, a humanidade desse contexto sente-se a todo instante pela fuga. Fuga do espaço tomado pelas máquinas. Fuga para um lugar de prazeres. Fuga para um lugar de beneces sem preocupações. Pode-se dizer que o traço marcante da humanidade é a fuga, é o escapismo, é o sentimento do qual escreve Manuel Bandeira: "vou-me embora..."

















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